Comunidade luta por respeito e direitos iguais e quer mais do que Diversidade, quer Inclusão no mercado de trabalho
Por Helyda Gomes
Lutar por direitos e respeito é o cotidiano da comunidade LGBTQIAP+ e de tantos outros grupos que sofrem preconceito simplesmente por serem quem são. Mas se a aceitação social é difícil, conquistar um ambiente de trabalho inclusivo e acolhedor torna-se um grande desafio. A Aliança Nacional LGBTI estima que o desemprego possa chegar a 40% na comunidade e a 70% na população trans. Percentuais muito acima dos 14,4% de desempregados na população geral, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE.
Fernanda Perregil, advogada e vice-presidenta da Associação Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABMLBTI) - organização que tem como objetivos o ativismo por meio do Direito, o advocacy e a ação social para enfrentamento às discriminações LGBTIfóbicas e de gênero -, explicou que o Judiciário tem tido um papel fundamental na última década, na conquista de direitos da população LGBTQIAP+.
Ela citou como exemplos o reconhecimento da LGBTIfobia como crime de racismo e o acordo entre o Ministério da Economia e a Defensoria Pública da União, visando possibilitar que as pessoas travestis e transexuais tenham garantido o direito ao uso do nome social na carteira de trabalho.
“Mesmo com um momento político e social tão complicado, temos avançado na conquista de direitos. As empresas estão se movendo para serem mais inclusivas, mas ainda há a necessidade de práticas mais efetivas e com o real entendimento do tema. Existe uma exigência do próprio mercado para que as empresas se posicionem sobre problemas socioeconômicos, incluindo a criação de práticas antidiscriminatórias em seu planejamento empresarial. O Brasil é um país com muitas desigualdades sociais e precisamos que as empresas assumam um compromisso de enfrentar esse problema”, comenta.
Para Fernanda, as empresas que não apostam em diversidade perdem em inovação, criatividade e competitividade. Um ambiente de trabalho diverso e inclusivo contribui para um ambiente saudável e seguro, que não só valoriza as diferenças, como também propicia que as pessoas possam ser elas mesmas”, afirma.
Opinião compartilhada pela especialista em Diversidade e Inclusão, Cris Kerr, que comentou que as empresas se mostram mais interessadas em contribuir para a diversidade e inclusão no trabalho, e que esse movimento é visto, principalmente, entre as multinacionais e em alguns setores específicos como na indústria farmacêutica, na área Jurídica e no setor de bens de consumo. Mas Cris alerta para a diferença entre os termos Diversidade e Inclusão
“Não adianta trazer diversidade se não há um ambiente inclusivo dentro das empresas. É fundamental trabalhar na mudança cultural da organização, porque sem essa mudança atraímos a diversidade, mas não conseguimos retê-la. Esse é o grande desafio das empresas, a atração e a retenção”, completa.
Para a criação desse ambiente inclusivo, ela destaca a importância do envolvimento da alta liderança:
“Não é só do RH a responsabilidade de integrar. As principais pessoas a criar essa integração são as lideranças, porque é isso que faz com que as pessoas se sintam pertencentes ao ambiente de trabalho e seguras, podendo ser elas mesmas”, explica.
Ela ressaltou ainda que as empresas precisam rever valores, se organizar com treinamentos de conscientização, criar códigos de conduta para diversidade e inclusão, criar canais de denúncia para que casos de assédio sejam reportados, entre outras ações.
Compromisso assumido pela Roche Farma Brasil, uma das 110 grandes empresas no País a assinar os compromissos do Fórum de Empresas e Direitos LGBTQIAP+, um movimento empresarial de várias companhias signatárias que se comprometem a promover a diversidade e inclusão dentro do ambiente corporativo.
Ao aderir ao movimento, a empresa se compromete com o respeito e a promoção dos direitos humanos LGBTQIAP+ no ambiente empresarial e na sociedade.
“A Roche atua na sensibilização e comunicação para os colaboradores, para conseguir empreender uma mudança cultural e de comportamento. A companhia entende que para existir uma sociedade mais justa, é preciso ter coragem para se posicionar, encontrar-se disponível a novos aprendizados e mudanças de concepção”, destaca Cyntia Silva, D&I Expert Américas da Roche Farma Brasil.
Atuação comprovada pelo engenheiro químico, Bruno Leite, de 29 anos, que fala orgulhoso do seu atual cargo de analista sênior de Inovação na Roche Farma Brasil, onde também atua como líder da frente de Diversidade & Inclusão LGBTQIAP+
“Hoje lidero com muita alegria essa frente da empresa no Brasil. Acredito que essa é minha missão, criar atmosferas seguras nos times em que eu atuo para que outros também possam expressar as suas melhores versões. Reconheço que ainda tenho muitos privilégios enquanto homem cis gênero branco, mas ao contar a minha história posso ser uma plataforma para alavancar pessoas que sofrem ainda mais com a exclusão e discriminação, como mulheres, pessoas negras e pessoas trans, para que elas possam ingressar nesse mercado e contar suas próprias histórias”, completa.
Mas Bruno admite que nem sempre foi assim:
“Em uma das minhas primeiras experiências profissionais era tudo velado e me omiti em inúmeras situações, enfrentando preconceitos, piadinhas e comentários homofóbicos. Cheguei a ouvir pelo corredor a conversa de um líder que contava não ter contratado um candidato, porque era gay. Foi quando percebi que não queria trabalhar em um local que não tivesse a promoção de Diversidade e Inclusão, pois essa era uma barreira para o meu progresso e para alcançar o meu máximo potencial. Eu queria ser eu mesmo”, disse.
Para a advogada e consultora, Melissa Cassimiro, que é travesti, o mercado de trabalho por muito tempo foi excludente em relação a alguns corpos e privilegiou um padrão único de ser e estar, mas as mudanças estão acontecendo a todo momento à medida que trabalhamos temas que socialmente eram vistos como tabus.
“Se não tínhamos determinados grupos de pessoas dentro do mercado de trabalho, ou as mesmas não poderiam contar com a liberdade de se expressar, de estarem humanizadas nestes espaços, estes temas por consequência não eram trabalhados. Com relação a mentalidade dos empregadores, conseguimos avanços à medida que estes entendem os benefícios da diversidade e inclusão e trabalham seus viéses inconscientes”.
Para ela, as conquistas do que chamamos de “grupos minorizados” precisam sempre ir além do mercado de trabalho, precisam estar reconhecidas nas legislações que, por sua vez precisam evoluir e acompanhar as demandas dos nossos tempos, embora todas as conquistas que a população LGBTQIP+ tenham obtido nas últimas décadas não estejam ainda publicadas em legislação, sejam conquistas de direitos obtidas por intermédios de decisões das instâncias superiores, como STF.
Melissa finaliza com um recado aos empregadores:
“Quem não estiver preparado para trabalhar com a Diversidade e a Inclusão dentro dos seus quadros de colaboradores e líderes está fadado a falhar miseravelmente e ter seus resultados prejudicados e impactados diretamente, caso atuem com resistências às mudanças que temos nos mercados atualmente. O público consumidor das marcas já não tolera alguns tipos de preconceitos/exclusões e, com a força das mídias sociais, posicionamento é engajamento. Quem não se manifesta ou se omite, pode estar invariavelmente ao lado do opressor ou ao lado da manutenção do status quo que trouxe mazelas a determinados grupos. Por outro lado, temos os profissionais, sejam os mais experientes e qualificados, sejam os que estão ingressando no mercado, que atuam com suas experiências como aliados e verdadeiros agentes de mudanças, e que não interessam estar vinculados a empresas que não carregam D&I como valor”, finaliza.
E se a mudança exige respeito, ela deve partir de todos nós. Então que tal começar conhecendo o significado do acrônimo LGBTQIAP+? O Projeto Travessia, que faz consultoria estratégica para criação/implementação de programas para Inclusão, explica tudo aqui:
L Lésbica – mulheres que têm relações afetivo-sexuais com outras mulheres;
G Gay – homens que têm relações afetivo-sexuais com outros homens;
B Bissexual – pessoa que tem relações afetivo-sexuais com homens e mulheres;
T Transgênero – pessoa cuja identidade de gênero difere do sexo biológico assinalado no momento do nascimento (por exemplo, pessoa que nasceu e foi identificada como do sexo feminino mas que se identifica como homem);
T Travesti – pessoas que vivem uma construção de gênero feminino, oposta ao sexo biológico assinalado no nascimento, seguida de uma construção física, de caráter permanente, que se identifica na vida social, familiar, cultural e interpessoal, somada, ainda, a questões sócio-políticas muito relevantes (para mais informações, consulte o site oficial da ANTRA);
T Transexual – pessoas cuja identidade de gênero difere do sexo biológico assinalado no momento do nascimento, podendo ou não ter passado por uma cirurgia de transgenitalização; este termo pode ser usado também para designar pessoas transgênero no cotidiano;
Q Queer – pessoa que não se identifica com o sistema binário de gêneros, cuja reflexão foi proposta também por Judith Butler, nos EUA, entre 1970 e 1980;
I Intersexo – pessoa que tem variações biológicas, como, por exemplo, aparelhos reprodutor interno, externo e hormônios, tornando difícil a categorização no sistema binário (sexo feminino ou masculino);
A Assexual – pessoa que não tem atração sexual por pessoas de qualquer identidade de gênero;
P Pansexual – pessoa que tem relações afetivo-amorosas e/ou sexuais com homens, mulheres e pessoas de outras identidades de gênero;
+ toda a pluralidade relacionada a questões de gênero e sexualidade, inclusive diversidade afetivo-relacional, não mencionada acima.
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